E por mentira, a nova linguística que tenta pôr as peças para formar a crença, como advogada, juíza da explicação, da justificativa se enforca para perder de vez a ciência, posso ver verdades, elas que me escapam das mãos quando as limpo, e o anel de doutor rola para o pinico de onde veio. A aliança está salva, e a vergonha vomitada. Ponho a capa de gente e saio na umidade suja do comum.
É uma questão de entranhas, de estômago abarrotado, de halitose.
O meu cachorro fugiu para latir contra roupas de marca. O cheiro de cloro impregna os usuais panos da cozinha. O varal deita-se no gramado. A janela da lavanderia está aberta para receber as traças. Canil fechado, dentro um vulto. O presidente de algum tribunal internacional dorme. Há um lenço empapado na janela depois da despedida. Vizinhos fazem abaixo assinado contra a escola pública. No último volume está o rádio que canta a mesma canção de ontem. Um prego soa torto no ar como se fosse um esforço. Os certos levam consigo, na boca, a etiqueta das palavras prontas. O correio não veio, estava dormindo. A notícia que partirei foi dita duas vezes seguidas por um médico da direita que vende obituários. A máquina de lavar acompanha o último rock. A vida sem erros mora estonteada no caderno de ondas do curso de caligrafia.
Na verdade, penso nisso, depois de Bachelard e todos aqueles. Penso que o conceito não suporta dúvidas, que desiste, que morre estrangulado com o vibrante e incessante transformar. Toque no conceito e ele foge como um colonizador desamparado, levando consigo as malas de suas verdades preconcebidas na ignorância. Somente com a morte dos grandes, daqueles que foram espezinhados com a sola suja de crenças numéricas é que se pode aplaudir cinicamente Mozart, Patativa do Assaré, Carolina Maria de Jesus, Beethoven, Sousândrade (ainda não conhecido), Zé da Luz, Corpo Santo e até mesmo famosos desconhecidos, porque em artes visuais descobrimos antecipadamente o descoberto.
O coletivo de meias verdades está no camiseiro de par em par. A duplicidade das asas não faz o vôo, mas promete. Acordar cedo é o mesmo que apagar a luz quando chega o dia. O sinal fechado é vermelho e o amarelo está em cima do muro, e o verde a dúvida de que não serei atropelado.
A professora disse-lhe: esse texto não é seu; próximo.
A coletividade põe todo mundo a favor da polícia como se fosse elemento. O coletivo de nós no capitalismo está no singular ausente, o indivíduo.
O consenso é uma resposta única que diz o coletivo que aceita ser o que não é.
Ser dono do processo através do domínio do autor.
Tornar-se "autoria" na apropriação da reprodução, do técnico e objeto
produzido eliminando o autor, o autoral, e com isso o compartilhar.
A eliminação da autoria da obra criada, realizada,
trabalhada, por fim, produzida se faz no coletivo dos trabalhadores submetidos.
O coletivo direcionado a um fim escamoteia a singularidade e a elimina
desfazendo o vínculo humano no sentido de realização unipessoal, e singular de
grupo. Eliminando a autoria, elimina-se o sujeito, destitui-se o singular para
o coletivo de humano, a humanidade. E no sentido de humanidade o animaliza, mesmo no conhecimento.
Sujeitado à ser informante do que realiza, a
sociedade de informes onde o conhecer/saber é diluído - impossibilitando a
tomada de posição, a ação crítica. Os animais humanos em seu coletivo é toda a
humanidade subtraída de sua singularidade de sujeito social, cultural,
histórico.
Dessa qualidade de olhar o outro inscrevem os novos
escribas do corpo: o que significa aquele olhar, daquele jeito, naquele
momento. Os novos jesuítas buscam iluminar os corpos com o brasido que merecem
os culpados.
Qual culpa teria os olhos às cegas em um mundo que não recebe
olhos, senão mãos estagnadas em coisas feitas, mãos mortas, decepadas que
apalpam a presença do objeto.
A mercadoria é então o templo das horas perdidas,
vilipendiadas, de mãos aquietadas que escondem a autoria de mãos que não podem
e nem ousam pronunciar a sua concepção e autoria. A presença do singular morre
no coletivo.
Uma vida sem autor é curricular, disciplinada na forja do coletivo estagnado. É uma assistência social à indústria da barbárie, à fábrica escravagista que usa e impõe a função derretida no não. O mercado dos cacarecos tem a mão ossuda das crianças maltratadas, algumas vezes pode abrir uma blusa e ver que na casinha do botão, na presilha do tênis, na coisa feita, encontra lá um pedaço de unha infantil.
Para o raso pensamento a totalidade impregna a superfície.
Maior que o tombo incendiário de livros por governos democráticos e também, vê se pode, os ditatoriais, o fim da biblioteca universal se faz fascículo exangue, coisa de vergonhosa apostila que mata com um singelo traçado de linhas tortas a maior retidão dos que estão na esquina.
O crime que a palavra consome quando salta das fabricas os didáticos, os pueris, os condensados, os alterados, os manuais, as prósperas doutrinas em relatórios, e os raspados na língua morta que insiste ser o que é: escravocrata, dúbia, inconclusa, colonial metida a ser cheia de si.
Nada a temer. E temer é nada. Mas o temerário é sempre pródigo assassino. De justiça ao que se fala, nada se criminaliza, afinal, recebe o certificado de inocente quando aponta o seu crime. Por isso aziago frente à decadência da legitimidade no falanstério cercado por suas evidentes carpinas. A voz do atuante tem laca verrinada.
O desejo de morar leva a mudança. Toda vez que se entra em lugar para ficar, surge inopinadamente quem há de lhe dar carona. Aos que permanecem a passagem para o próximo vôo. E aos que partem a chegada dos que hão de partir. Seguir sempre é parecido com a permanência das revoltas que ressurgem.