Ficar só é talvez a melhor coisa que pode acontecer para quem está sempre povoado de mundo. Tanto em si. E não se está só. E vem a dizer que é um pedaço de tudo. E nada lhe sobra.
Completo desperdiçado de quanto esvai. Se diz algo para que compreenda que diz algo quer dizer que diz o que foi dito para que alguém lhe compreenda.
Quantidade de gente do cotidiano repelente. Liquida palavras. Abusa das crenças.
Toma o passo, engole o espaço, empurra, puxa e se prepara.
Gelado que no fogo sublima, no ar desagua em partícula de nadas e dança para lá e para cá como um balão cheio.
Em verdade vazio, porque nada ancorou no fundo da alma. O dia ficou sua passagem.
Feito elevador carregado, solta um guincho. Começa cedo a tracionar os restolhos para dentro, e vai até a noite. Aguarda de olhos fechados que deságüem as horas para recomeçar. O burburinho infinito o persegue. A caixa se debate.
Aquela falação de sons variados, perfume e gostos em imagens que não se fixam.
Cansado de dizer e fazer. As mesmas promessas sobem ao palanque do cotidiano interrompido.
O óbvio aflito, em cada passagem descoberto.
O eco estala na garganta quando reage, quando grita e quando cala.
E não há quem tire de dentro esse subúrbio interno feito de conhecidos amanhecidos.
Rebate com força o provável. Acerta, erra sobre metas.
O impossível planejado ante a morte que é um corte no andar do pensar.
O sem fim de cada momento a parar.
Em um instante sem solução.
O que dizer: alguém dentro fala e reage em meu corpo e me desafia.
Procuro especialista de multidões.
Eu trouxe isso?
Aflições.
Tome duas pílulas contra a urbanidade.
Os barulhos ensurdecedores. O amontoado perdido nos assuntos.
Retira o som, evidência de triste presença.
O mal que não parte, retumba.
Doutor, necessito de um silenciador de acasos.
Constantes riscos, tropeço, eu me desequilibro.
Esbarra em meus ombros o último vendaval de sonhos e idéias.
Fosse engenheiro de espaço lotado,
psicólogo de divã móvel a carregar o paciente enquanto faz compras
no shopping e ouve o noticiário da última estupidez.
Faria um limitador automático de fotos contra fatos extremamente trabalhados que
cansam a alma.
Por favor, um finalizador de música chata, de campainha de supermercado. E da marcha fúnebre, do riso cínico que deixa o cuspe despencar.
Pode-se amargurar o seguinte: que todo um emaranhado de
acontecimentos vêm de uma única fábrica.
O descascador da vontade está enguiçado.
A quantidade tão
grande.
É a imensidade, ao invés de se sentir acompanhado, torna-se solitário.
O que é isso?
É o bloqueador do máximo induzido comum.
Crava essa voz inaudita.
E obriga, manda, a se ficar mais ansioso.
Liga os aparelhos todos de casa.
Ensurdecedor demorado.
Alongado com arrepiados de falta de senso.
E quando se
chega do trabalho com aquela compra, o barulho preso na bolsa, parece ver que se debate, que vai saltar fora e expandir.
O mínimo reduzido tem seu ruído.
Horas da noite em casa, depositado sobre o balcão da cozinha os prensados desejos.
Ainda vivos, abro o
saco plástico que grita.
As coisas diárias, mortuárias.
E a se ocupar delas. O seus guardados trágicos, do mercado desterrados, pouco a pouco devorados.
Escrevo uma carta para quem sou mesmo.
Tenho esperança que não a receberei e não a atenderei e não a responderei.
Envia flores para o seu
desconhecido preferido.
No teatro assista àquela peça que não entende; algum
tempo no lugar menos usado da casa, as ondas curtas do rádio ligado.
O estremecimento de algo, uma língua não conhecida; a locadora de sonhos pode ajudar a encontrar um lugar jamais imaginado; a biblioteca pode ser arrombada, e um livro nunca escrito fala de alguma filosofia, histórias de passar a noite em claro; e de um
país distante, de uma vila esquecida alguém narra histórias.
Muda o modo de vestir; faz um gesto novo para atender ao telefone.
Cria uma festa para comemorar o azar da existência e traz consigo amigos de infância.
Engolido, mesmo assim, de início ao fim no lugar comum.
Levanta-se, põe a mão no ar para pegar algumas estrelas.
O que aparece é apenas caminho, não é fim.
Anda descalço na chuva fria.
O corpo veículo.
Os que sabem ficar a sós.
O pedaço de tudo como uma parte completa do irrisório.
O mínimo fala.
Dentro, alguém me inventa com um nome.
E nem sou o que digo ser.
E se faz caminho na rua da vida.
Sem lugar.
Sem chegar.
Sem calar.
A palavra lavra.
Insiste em seu mergulho.
Risco da forma e orgulho.
Mesquinharia desalinhada.
Conjunto ativo da representação
possível.
A deformação da forma.
Abandona a norma.
É um esforço do cão acreditar nisso: a vida é início e final.
A própria existência não pode ser comprada.
Porrada do existir, respirar, viver.
E se pudesse mentir que não sinto, que não me importo com o campo, e detesto a urbanidade, e nem lembro por onde passei hoje.
Tivesse de dizer olá, compreender uma resposta.
Aceitar a sua presença.
Força, dor, doença.
Diga quem está aí?
Ferido, o conhecido retorna, veste outra vez o que sou, e novamente não me vejo ao espelho, nele, o desconhecido.
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