Andei a ver Spinoza e Nietzsche andando por aí - como em uma sombra -, e em plena luz. Como o sim, que é negado, com um não incorrigível de mar
de ondas e de tempestade. Impossível partir e impossível permanecer,- impossível constituir ao mesmo tempo a totalidade do significado/sentido.
É assim, como se estivesse acometido de um princípio de união e separação.
Uma intersecção estruturada entre céu e terra, um horizonte roxo, lilás de um
desejo de verdade que não se apresenta devido a caixa de pandora. Essa caixa
humana de corpo e alma contraditória que luta entre expulsar e unir e cria essa
pessoa que diz, existo. Um existo já visto no indimensionado, no conflito do
próprio existir.
Antes do gesto; o gesto da estrutura. Ela (a vida), silente, porém ri.
Ela em
assertiva - por isso vista -, porém, a si mesmo deletérea. Negada e a caminho do
fim. Lastimosa, chorosa e arrependida, e além, invocada a ser o além-de-si, tão
amada e por isso odiada.
O não tem como princípio o em si-mesmo negado de uma existência em
se perceber que existe-se. E, em processo de não-existência. Evidencia-se que a própria apresenta-se bios, viva e presente, de per si
é a perda da horas da forma, da estrutura, do pensar, do cogitar. De um
querer-ser que não se alcança no tempo de sua perda. Um perder-vencer. Quem vence a vida e na vida só o faz por perder a vida e o sentido
de vida ao vivê-la.
Quanto seja abstrato o real na construção demoníaca dos aparatos
transformadores de um real subsumido. Um real esquematizado, conhecido na
regra, portanto, um imoral de realização. Não há vitalidade na máquina, na
coisa, na função, no técnico especializado que a faça ser quem seja senão um
ato.
Uma única ação de se perder. Perde na criação dos meios, das melhorias,
dos receituários da inovação, na fórmula, nas correspondências lógicas que a determinam.
Um fim em si mesmo, uma morte criada, pulsante, porém derrocada.
Sempre tomado e retomado, sempre atuante e preservado, ao sentido de
que é reciclado, repostado, deteriorado. Nova base, nova alavanca sobre o
escombro do passado, de um imediato que morre no feito, na apresentação.
E mais que jogue a tinta, a cor, e possa embolar, rasurar, departir,
e recomeçar, a sombra do mistério cresce, avoluma na cabeça, deságua,
enlouquece, deforma como fosse uma ordem com a qual o artista se joga para
encontrar um meio de perder-se.
Perder a obra, de um perder que é se encontrar,
de amarrar o tempo, de sustentar o sentido, de realizar o infinito em mais e
mais profundidade. A sombra também devolve a luz, ela, um recorte da luz, da
contrafação do luminoso. E o pensar que age por entranhas corporais, que demarca os limites
da pele e o ar, que retira a vida e a devolve, que faz partir o que fica.
E que
faz no fixo, movimento. Um chegar diário de partida, de nunca chegar e partir,
de nem partir e chegar, de dissolver, de acabar, de intencional, porém, realizar
em migalhas o que se apresenta como o ininteligível. O que está é o não. Um proibido avançado que mesmo entregue ao sim é
sempre negado. O devir que se modifica, que antes de chegar já fora partido,
que mesmo tocado é invisível.
O íntimo do conhecer é engolido no tempo da história. Explicada,
compreendida, entendida e por isso jamais avistada. Vivida a dar além de um
significado um sentido. Mas são enclausurados, eles se perdem, seguem sem mesmo
dar o primeiro passo. Povoam o espaço humano de possibilidades e jamais certezas. O que não surge, nem surgiu é essa ausência, o que não tem história,
diz Nietzsche é o que pode ser
definido. E a definição que perpassa os três sentidos de domínio do homem.
- O riso, resposta ao submerso, a lástima, resposta ao encontrados odiado, o que está em processo, conhecido:
- Rir, a sombra na arte, o mistério
- A lástima, encontra a tecnología, a perda do real na multiplicação da novidade.
O odiado, o estado em que o devir não alcança o homem
Vivemos a claridade, a plena tecnificação do sensível, a transformar valores em estética, por isso lastimamos que o humano possa ser um
"além-do-homem" em si mesmo. Por isso a guerra e o ódio que
traspassamos uns sobre os outros, na busca desesperada de "não-ser",
ao menos não ter este ser absolutamente. O ganho com o real; e a sua perda.
Sem a aventura da descoberta nos tornamos "idealistas" funcionais,
em busca de algo que perdure, que seja protegido por um tempo da jornada, um
mínimo qualquer coisa, contrário a ser. Prefere-se a equação matemática da
partida e chegada possível como estratégia, ganhos e rótulos, de forma que a
coisa nega a si mesma, ela que sustenta os meios, que se faz suporte e
garantia, a cada instante engolida, desclassificada.
Essa constante, esse procedimento de viver a vida com a claridade da
eterna substituição, na marcha que se ganha e perde no atrito. No desgaste se faz o
humano subsumido a um contínuo de denegação da existência, senão por um parco
hedonismo, um prazer momentâneo, recuperado a cada passo.
Coisificado, o existencial
do 'não' é como um jogo do qual o oportunismo vence sobre qualquer verdade,
sobre qualquer dúvida. Por isso saltar a sombra para não cair na armadilha do
inconciliável, a arte. A sua infinitude causa esse pavor, essa angústia de que
há um bem maior que não seja tocado, que esteja ali, presente na vida, mas distante.
A arte avoluma-se sobre a ordem da clareza técnica, ela pouco
oferece certezas, limites, transborda. E a economia da diferença, que vive da
falta, do erro, do engano, da mentira e falsidade necessita possuí-la como uma
coisa e não a retém, o que causa frustração lastimosa por não atê-la a um
significado, a um conceito, a uma utilidade, como ferramenta, material de
subsistência porque a economia acredita na guerra, na perda e essa é a sua
vantagem, a de morrer coisificada.
Andei a ver que Spinoza e Nietzsche buscam alguma ética, um modo de
decisão, de transformar a vida humana em algo inseparável da vida humana. Mas os
técnicos vêem o homem como um benefício a si, alguém que lhes pode corromper. Eles jamais entenderão, nessa claridade técnica do conhecimento subsidiado a
interesses, a vantagem à presença inefável da sombra. A que lhes acompanha com
a profundidade que jamais se detém.
Entre céu e terra, o diabo e o divino, a luz e a sombra são entes que vertem a verdade, e o homem
atual apenas se entende a si mesmo e ao outro como propriedade do 'Não'. A certeza do 'Não' é em si a sua objetivação, e quanto mais se conheça, melhor se saiba de si, mais possa saber ponderar para suas escolhas, e mais se apropiará do processo incontrolável do viver.
O que o leva à vida e morte, e que, no entanto, a meio-caminho, pode saber ocupar-se das ferramentas disponíveis, e mergulhar na claridade e saltar a sombra ou desaparecer na noite e surgir no dia. Pode levá-lo ao fim da ponte, ao outro lado do caminho, e ser um além-de-si. Não mais feito de guerra, mas realizado de passagens, essas que se tornam caminho.
Caminhar com Nietzsche e Spinoza pode nos levar à perda do discernimento, no entanto, pensar, entortar-se, realizar a curva, pode ser um modo de construir alguma retidão.
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