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O jardim da escola

O jardim da escola
PMNT


Quando pensava na escola sentia medo, um vazio, algo estranho. Ir para escola era na minha primeira infância o terror porque ia a correr todos os riscos. Entendia que não me sentia bem, mas o que causava isso era coisa que não conhecia.

Sair do conforto afetivo da família e surgir como um sujeito no mundo. Vamos dizer de modo diferente: sentia que ir para a escola teria que lutar contra todas as situações que me causassem constrangimento. De não saber me comportar, de não aprender, de não conquistar as notas, de não ser aceito pelo grupo da sala, de não isso e não aquilo. Sei que a criança sente isso: medo de rejeição, de fracasso, de humilhação, de frustração, de culpa, raiva e incapacidade de demonstrar naquele mundo tão imenso e controlado por regras a pessoa que se é. 

As exigências de alguém à frente que não é nem pai nem mãe e que está ali, com sua presença gigante a representar a autoridade sobre todos os ensinamentos e isso incluía os meus pensamentos. Era isso que temia: alguém que substituísse todo o meu prazeroso silêncio no jardim, a minha deliciosa quietude de sonhos e viagens que seriam estranguladas por atitudes práticas. Não mais imaginar a profundidade da terra e nem mais voar e entender porque um prego enferrujado segurava a cerca, como as trepadeiras floridas se seguravam na treliça e porque os besouros caminhavam na grama como se tivessem numa batalha. 

O medo de perder o jardim era maior do que perder um brinquedo. O meu brincar era mais meu pensamento do que a coisa brinquedo. Apesar de ser um tagarela, o meu universo infantil, tomado por perguntas e respostas, palavras que inventava, invenções tão pessoais que não saberia compartilhar com ninguém, eram fantasias feitas de pensamento que a ação, isso é, a prática, o pegar e fazer não existia. Pensar era o meu mais profundo e delicioso divertimento, uma espécie de catatonia contrária, de uma viagem a um universo onde o mundo era a minha invenção.

- O bom Deus já despertou para a longa jornada do dia, levante-se.

Imagine a voz aguda e delicada de uma mãe que abre a janela do quarto. Ela aperta de forma divertida o dedão do seu pé e faz uma cara que diz: você sabe que vou perder a paciência se não levantar. Não havia como ficar na cama mais um segundo. Os sonhos que deviam se calar, por fim, caminhavam à realidade do dia para as ações cansativas de se preparar para ir à escola. Havia de atravessar o jardim. Claro que não podia deixar de ver se debaixo do banco aquela aranha amarela continuava lá, ou se os caminhos das formigas eram os mesmos, e se a pequena goiabeira crescera mais um centímetro. 

- Não estou vendo ninguém a caminho da escola ainda.

Bem, já sabemos que essa voz nos empurra para fora do jardim e nos põe na sala de aula. O medo não é uma constatação de acontecimento no momento que ocorre. Devia ser, mas não é. É uma antecipação contra todas as esperanças de permanecer no mesmo lugar, fermentando nas mesmas coisas, respondendo aos mesmos desejos e construindo no jardim, lentamente, todo um pensamento que não desvanece, não morre porque se podem fazer de novo quantas vezes se queira. Na escola não. É necessário socializar o que se pensa e realizar as tarefas ordenadas que uma por vez surja. 

No jardim de casa se faz teatro, pode inventar personagens, ficar horas mexendo na terra a ver os insetos, construir grandes estradas e mexer na água e tantas coisas mais. Imita-se o pai, o irmão, caminha-se sobre pontes perigosíssimas sobre cavalos de pau indomáveis. O mundo do quintal só é invadido pelas horas do almoço, do café da tarde, do banho e jantar. Ninguém diz, pegue o caderno e faça a lição.

- Já fez sua lição.

- Estou tentando.

- Muito bem, faça.

A escola não brincava, não sonhava e não podia ser um divertimento a não ser naquele momento que chamavam recreio que quer dizer, refazer-se como criança novamente, retomar o ponto onde se estava e continuar. O aprendizado da criança na escola estava, portanto, dividido entre ser o sujeito singular e o do grupo, de cumprir as ordens e de voltar para o jardim. 

- No jardim da vida ninguém está só.

- Uma andorinha só não faz verão.

A figura da autoridade externa ao lar representada pelo professor é o início da construção do sujeito moral, no mundo das diferenças. Cumprir as obrigações era compreender a ética da vida feita com o pensamento e com as mãos. 

O professor torna-se a referência de um saber agir no mundo, de que há deveres e direitos e que só podem ser reconhecidos na prática social. Assim, a socialização é o princípio que faz com que possamos todos perceber que a nossa singularidade é um bem, e que a comunidade múltipla é a extensão equilibrada do que somos. 

- Já posso brincar porque já fiz a lição.

O universo coletivo não impossibilita a quietude do jardim, apenas amplia a condição de sermos o outro, de que há uma promessa afetiva no mundo e que só pode ser cultivada na prática social. A escola empreende o caminho de nos fazer buscadores de um mundo harmonioso, e o professor é o primeiro parâmetro fora do lar a nos auxiliar na construção do caráter. Essa figura da autoridade dimensiona o jardim da escola.

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