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Teatro na escola da vida

Teatro na escola da vida

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Quando comecei a fazer um curso de teatro fiquei encantado ao saber que a maioria das coisas que fazia no cotidiano era, de certa forma, teatral. Com o tempo pude notar que o jeito que alguém anda pela rua é uma artificialidade, uma invenção de comportamento para mostrar um jeito de ser. Isso surge de uma imitação cotidiana, de um espelhamento, ou melhor, de identificações que as pessoas têm com quem admiram ou desejam ser. Esse desejo de ser não é exatamente o querer ser aquela pessoa, viver aquela vida, mas parecer tal qual fosse mantendo ao mesmo tempo a sua personalidade o seu jeitinho.

Você já deve ter visto pessoas que batem o pé quando andam. Elas chamam a atenção de quem tiver no fundo de uma sala, num lugar distante. O som dá a intenção do protagonista que desfila. A personagem é imaginada para quem estiver longe do campo de visão. Pensa-se isso e aquilo, alguém anda triste, está calmo e é bom, deve ser o chefe, está irritado, é a rainha, o rei, o mendigo, mamãe, um senhor herói, alguém que possui uma personalidade muito atrevida.

Ora, o teatro da vida se expande em todas as direções. No fim de semana se está com um calção raspado, gasto a limpar o jardim e na manhã seguinte de terno e gravata, as senhoras de taier numa postura absoluta para pegar um ônibus e chegar ao trabalho. Todos os dias, enfim é isso, criamos personagens para manter a nossa personalidade intacta. Não somos aquele e nem o outro, estamos em processo de construção e necessitamos de identificações. Assistir teatro é também fazê-lo, de outro modo, internamente, incorporando as suas dimensões humanas.

O médico que chegou ao interior com sua roupa branca foi confundido com um religioso, o treinador de um time de futebol de terno e gravata foi encarado como um guarda-costas, a cantora lírica que chamava o táxi na frente de uma capela com sua roupa exuberante pôde causar erros de interpretação. Ela não errou a igreja onde seria madrinha de casamento. As situações onde as pessoas se encontram com os trajes que usam pode causar dificuldade de interpretação e levar a erro. Os gestos humanos são múltiplos e tendem a representar situações significativas que não são exatamente o que pensamos ser.

O teatro possui esse ajustamento dos acontecimentos da vida para a identificação daquilo que se representa. São ações dos atores no palco da vida em seu cotidiano que nos diz respeito. Fazemos uma interpretação antecipada porque lemos e comparamos, fazemos uma análise muito rápida e muitas vezes damos bola fora, erramos. São questões culturais que indicam que esse ou aquele tipo de evento tem esse ou aquele significado.

Imagine o ministro de uma pasta importante a caminhar com roupas simples, a pé, indo em direção a uma reunião internacional. Pode imaginar. Bem, me contaram que se deu que o ministro estava mesmo assim e os dirigentes internacionais se dirigiram ao seu secretário pessoal que estava elegantemente trajado dizendo: como vai ministro.

O teatro faz isso, ele mostra o movimento, a forma, a percepção do espaço, a dinâmica como se processo uma ação no meio a oferecer um sentido significativo a quem vê, ouve, percebe, sente e pode analisar a partir do seu background cultural o que o evento representa e chegar a um conhecimento. Na verdade o teatro faz com que o espectador volte para si mesmo e realize um percurso interno para entender o que se passa, para chegar a uma conclusão.

Às vezes a identificação é tão profunda que causa espanto, riso ou choro. As emoções se afloram e uma atividade teatral carregada de emoções estruturadas, comedidas pode deixar um público inteiro assustado. E me contaram que o ator paranaense Maurício Távora ficou quase dois minutos parado, em silêncio olhando o público depois de uma ação complexa. O silêncio do ator, a sua postura cênica, a sua carga emotiva controlada fez com que, no momento que saía de cena o público se levantasse e o aplaudisse.

Dizemos que ele acertou em cheio, foi tecnicamente perfeito e fez com que todos pudessem compreender ao mesmo tempo, que tudo aquilo era teatro e era magnífico porque como seres humanos se identificaram completamente. A gente faz teatro todo dia, quando se está com pessoas que não conhecemos e devemos construir o personagem, na verdade, fazer as medidas para um bom comportamento. Educamo-nos uns aos outros a buscar o melhor que tivermos e oferecer o que se espera: respeito. Mostrar que somos identificáveis que temos muito a ver um com o outro.

As mesuras, os modos, o jeito de andar, falar, a roupa que usamos, o que pudermos ouvir, sentir e entender de um acontecimento nos faz também atores na vida. A importância do teatro enquanto estética e capacidade de ritualizar a vida novamente nos fazendo perceptíveis no meio ao anonimato da multidão é uma das razões para compartilharmos o conhecimento.

Você está no culto de um jeito, na cozinha da fábrica de outro, frente ao espelho, na loja de roupas finas, na sanduicheria da esquina de modos sempre diversos. Parafraseando Heráclito, podemos dizer que não se vai até a esquina sem sermos outro. Estamos no fluxo, num eterno processo e, quando chegamos lá estamos modificados. Na verdade somos todos ao mesmo tempo únicos e diferentes, podemos não ser artistas, e nos importamos em ser quem somos imitando, procurando um modo de transitar pela existência como seres completos.

O teatro nos ensina a sermos mais humanos, capazes de pensar em vários sentidos e buscar respostas para a plenitude da vida, de estarmos presentes e juntos. Que a individualidade não existe, a singularidade é a expressão máxima que podemos ter de nós mesmos ao sabermos que somos parte do outro.

Imagine agora o equipamento teatro na escola, não teatrinho que ensina coisas transversais, extremamente didático, funcional, utilitarista, mas teatro mesmo que nos leve a ver, sentir, ouvir, perceber e se emocionar. Como ator tive o privilégio de ouvir um dia de alguém que assistiu a um espetáculo do qual participava: o senhor mudou a minha vida, desejei tanto melhorar que posso dizer que consegui. O teatro ensina na medida que também é crítico, trata de assuntos simples, políticos, culturais, estéticos e todo ele humano. Para se pensar teatro na escoa, independente de ser pedagógico, e de possuir uma didática, de um fim muito explícito, comemorativo e funcional, deve-se levar teatro à escola, conquistar o espaço para a expressão artística no ambiente escolar e sensibilizar e transformar pessoas, oferecendo a elas não só um aprendizado já determinado, mas o inesperado surpreendente da vida.

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